A invasão garimpeira na Terra Indígena Yanomami agravou profundamente as condições de vida das crianças e adolescentes desse povo, segundo relatório divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com a Hutukara Associação Yanomami. Entre 2019 e 2022, foram registradas ao menos 570 mortes infantis por doenças evitáveis, como desnutrição, malária e pneumonia, vinculadas diretamente aos impactos da mineração ilegal que contaminou rios com mercúrio e afetou os modos tradicionais de subsistência baseados na caça, coleta e agricultura de roças. Essa crise ocorreu simultaneamente à desestruturação dos serviços de saúde na região, deixando a população desassistida.
Com uma população aproximada de 31 mil pessoas distribuídas em 390 comunidades dentro de cerca de 9,6 milhões de hectares nos estados de Roraima e Amazonas, o povo Yanomami enfrenta uma emergência sanitária que levou, em 2023, o governo federal a declarar situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional no território. Desde então, foram realizadas mais de 7,4 mil ações integradas para combater o garimpo, com o triplo de profissionais de saúde atuando na terra Yanomami e unidades de atendimento reabertas ou inauguradas. Ainda assim, os desafios persistem, destacando a dificuldade em reverter os impactos sociais e ambientais causados pela atividade ilegal.
A saúde das crianças Yanomami é especialmente vulnerável. Dados de 2022 indicam que mais da metade das 4.245 crianças acompanhadas estavam abaixo do peso devido à desnutrição. Os casos de malária entre crianças de até cinco anos saltaram para mais de 21 mil em quatro anos, quase o total dos dez anos anteriores, com 47 óbitos infantis por malária nesse intervalo, uma mortalidade quase sete vezes maior do que nos quatro anos anteriores. Doenças respiratórias também registram elevado número de mortes infantis, agravadas pela baixa imunidade natural, maior contato com pessoas de fora e a redução da cobertura vacinal, que caiu de 82% em 2018 para 53% em 2022 devido à desmobilização dos serviços de saúde.
O mercúrio, utilizado ilegalmente para separar ouro nas atividades do garimpo, contaminou rios essenciais para a sobrevivência Yanomami. Análises da Polícia Federal em 2022 identificaram níveis de mercúrio em rios locais até 8.600% acima do limite aceito para consumo humano. Mesmo após a retirada dos garimpeiros, a presença desse metal tóxico continuará a causar danos por anos, principalmente afetando o desenvolvimento neurológico de crianças e gestantes, além de provocar problemas motores em bebês.
Além dos danos ambientais e sanitários, há denúncias de exploração dos jovens Yanomami por grupos ilegais que ofereceram dinheiro, armas, bebidas alcoólicas e drogas para recrutá-los nos garimpos, além de casos de exploração sexual de meninas indígenas em troca de alimentos ou pagamentos, agravando uma crise humanitária já severa.
Cerca de 75% do povo Yanomami é composto por crianças, adolescentes e jovens menores de 30 anos, evidenciando a importância de políticas públicas que considerem suas especificidades culturais e linguísticas. Apesar dos inúmeros desafios, o período da infância Yanomami é marcado também por aspectos positivos, como ampla liberdade, autonomia, participação comunitária e uma rede de cuidados coletivos densamente estruturada, em contraste com modelos ocidentais. Crianças aprendem livremente com adultos e entre si, circulando em todos os ambientes da comunidade.
O relatório enfatiza que a proteção territorial contra o garimpo e outras ameaças é crucial para garantir a sobrevivência cultural e física desse povo. Destaca a necessidade de ouvir as crianças e adolescentes Yanomami e responder a suas demandas por educação, acesso a novas tecnologias e serviços básicos de qualidade, como água potável, saúde e segurança. Facilitar essas condições é essencial para que possam crescer em um ambiente livre de invasores, com respeito a sua dignidade, cultura e modo de vida.

