# Estradas Clandestinas Avançam sobre Áreas Protegidas na Amazônia
Ao menos 2.240 quilômetros de estradas ilegais que cruzam a BR-319 na Amazônia avançaram sobre unidades de conservação federais. Outros 1.297 quilômetros de vias também clandestinas atravessam territórios indígenas, segundo levantamento divulgado pelo Observatório BR-319, uma rede de organizações que produz informações sobre a rodovia. Os dados foram consolidados em agosto deste ano e refletem um quadro alarmante de degradação ambiental em uma das regiões mais preservadas da Amazônia.
O estudo intitulado “Abertura de Ramais e Estradas Clandestinas como Vetores de Desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus” revelou que a existência dessas vias ilegais ao longo da rodovia federal está diretamente associada ao desmatamento, grilagem de terras e processos minerários. A pesquisa mapeou um total de 18.897 quilômetros de ramais na região, sendo que 11,8% estão localizados em unidades de conservação federais e 6,8% em territórios indígenas.
O geógrafo Heitor Pinheiro, pesquisador do comitê de monitoramento e inteligência do Observatório, considera a situação extremamente preocupante. De acordo com o especialista, os estudos indicam que essas vias ilegais mantêm relação direta com as áreas que apresentam maiores níveis de desmatamento, como a Vila Realidade, localizada no município de Humaitá, no Amazonas. “Essas estruturas ilegais que abrem caminhos na floresta são os principais vetores de conflitos”, afirma o pesquisador.
Um ponto crítico identificado pela pesquisa fica nas proximidades do entroncamento de Humaitá, onde a BR-319 cruza com a Rodovia Transamazônica, a BR-230. Ali se concentra uma alta densidade de ramais clandestinos que facilitam o acesso de madeireiros, garimpeiros e grileiros a áreas até então preservadas. A região entre os rios Purus e Madeira, onde essas estradas se proliferam, abriga 69 territórios indígenas e 41 unidades de conservação, tornando-a especialmente vulnerável à exploração ilegal.
A criação de ramais informais segue um padrão conhecido como “espinha-de-peixe”, onde pequenas estradas ramificam-se da via principal como o esqueleto de um peixe. Esse fenômeno, já documentado em outros projetos de infraestrutura na Amazônia, abre caminho para atividades ilegais e ocupação desordenada. O desmatamento não se limita às margens da BR-319, mas se expande através desses ramais para o interior da floresta, atingindo áreas que deveriam estar protegidas. Durante a presidência anterior, o desmatamento aumentou mais de 140% em uma faixa de 50 quilômetros ao redor da BR-319, demonstrando a aceleração do processo degradatório.
A BR-319, que liga Manaus a Porto Velho ao longo de 885 quilômetros, nunca foi totalmente pavimentada desde sua inauguração em 1976. Abandonada por décadas, a estrada ficou em péssimas condições, com alguns trechos se tornando intransitáveis, especialmente durante a estação chuvosa. No entanto, sinais indicam que atividades criminosas estão se antecipando à possível reconstrução da rodovia. Pesquisas mostram que o desmatamento começa até três anos antes da obra sair efetivamente do papel, com ocupação ilegal já se instalando na região.
Especialistas alertam que, uma vez aberta uma estrada na Amazônia, o governo perde rapidamente o controle sobre o que se desenvolve ao seu redor. A experiência com a BR-163 serve como precedente preocupante: em vez de se tornar um corredor sustentável de desenvolvimento, a rodovia se transformou em um grande foco de desmatamento ilegal, grilagem de terras, garimpo e invasão de terras indígenas. Estudiosos temem que a BR-319 possa registrar impactos ainda mais severos.
Lideranças indígenas também se posicionam contra a pavimentação da rodovia. Moangathu Jiahui, coordenador executivo da Organização dos Povos Indígenas do Alto Rio Madeira, afirma que os povos originários não apoiam o projeto devido à forma como está sendo conduzido pelo governo. “Sempre nós somos pressionados pelos grandes latifundiários, por grandes empresas que recebem concessão desses grandes empreendimentos e deixam nossa vida vulnerável”, denuncia o líder.
O Ministério do Meio Ambiente informou que a BR-319 avançará apenas em modelo sustentável, apoiado em ações emergenciais de gestão e em uma Avaliação Ambiental Estratégica. Afirmou ainda que a meta de desmatamento zero até 2030 é inegociável e que o licenciamento ambiental segue parâmetros técnicos com indicadores de monitoramento e controle. No entanto, ambientalistas, cientistas e comunidades tradicionais se mobilizam contra a obra, considerando-a uma ameaça existencial aos ecossistemas frágeis e aos povos que ali vivem. A situação representa um dos maiores desafios ambientais contemporâneos, com consequências potenciais que extrapolam as fronteiras da Amazônia brasileira.

