O governo Trump e o fim da era do livre comércio (“my way or the tariff way”)

Por Fernanda Brandão, coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio

O governo americano anunciou que a partir de 1º de fevereiro serão impostas tarifas comerciais sobre produtos de seus três principais parceiros comerciais: China, Canadá e México. Os produtos da China sofrerão uma tarifa de 10% e os oriundos de Canadá e México 25%. O motivo principal por trás da imposição dessas tarifas é o contrabando de fentanyl oriundo da China, um opioide responsável pelo aumento de pessoas com problemas de vício nos Estados Unidos. Já Canadá e México são considerados responsáveis pela grande entrada de imigrantes ilegais e de fentanyl nos Estados Unidos através dessas fronteiras. A imposição de tarifas comerciais já era anunciada por Donald Trump desde a campanha. Apesar da ausência de uma imposição de tarifas imediatamente logo após sua posse, a expectativa é que as tarifas comerciais sejam frequentemente utilizadas pelo presidente americano.

A medida deixa claro que o presidente Trump utilizará tarifas comerciais como meio de persuasão e em alguma medida coerção para alcançar seus objetivos políticos. Os Estados Unidos sempre utilizaram o acesso a seu mercado como moeda de barganha na política internacional, oferecendo menores ou maiores tarifas em troca de concessões em diversas áreas. Contudo, agora essas tarifas passam a ser impostas de forma clara com o objetivo de dobrar os parceiros americanos à vontade do presidente Trump. Além disso, o percentual significativo utilizado tem como objetivo claro tornar proibitivas as importações dos países alvo. Durante sua campanha, Trump ameaçou impor tarifas de até 100% sobre produtos dos países BRICS se estes criassem uma moeda própria ou continuassem atuando para diminuir a centralidade do dólar na economia internacional.

Além disso, a medida deixa claro que os Estados Unidos não são mais os campeões do livre comércio. O volume e os fluxos de comércio internacional tiveram aumento significativo após a Segunda Mundial como fruto de um movimento de liberalização multilateral do comércio liderado pelos Estados Unidos. Movimento que num primeiro momento resultou no Acordo Geral de Tarifas e Comércio, o GATT do inglês, e o Acordo Geral de Tarifas em Serviços, o GATT. As rodadas de negociação para liberalização do comércio internacional promovidas por esses acordos resultaram na criação da Organização Mundial do Comércio em 1995. Nesse período, a redução progressiva de tarifas comerciais permitiu o aumento do volume de comércio e a diversificação dos atores participantes do comércio internacional, principalmente a partir dos anos 1990, quando os países em desenvolvimento passaram a representar um percentual cada vez mais importante dos fluxos de comércio internacional.

A liberalização multilateral do comércio é fator importante da prosperidade econômicas dos Estados Unidos nesse período, afinal a remoção de tarifas abriu novos mercados para os bens e serviços americanos, também permitiu a especialização da economia do país em produtos de maior valor agregado enquanto a produção de bens primários e de menor valor agregado foram transferidas para outros países. O mesmo processo também foi fator importante no desenvolvimento econômico da China, principalmente a partir de 1979 após as reformas econômicas. O engajamento da China com a economia internacional permitiu o país se tornar a segunda maior economia do mundo em quatro décadas.

O rompimento do compromisso com a promoção do livre comércio é uma ruptura com o papel de liderança que os Estados Unidos sempre ocuparam nessa área na política internacional e mostra que a economia dominante não acredita mais no livre comércio como fonte de prosperidade econômica. A imposição de tarifas vai gerar cada vez mais distorções de comércio e terá impactos negativos para economias de diversos países, inclusive para os Estados Unidos. É certo que os parceiros que sofrerem a imposição de tarifas retaliarão com mais tarifas comerciais causando ainda mais distorções no comércio internacional.

Nesse momento, o Brasil ainda não é um dos alvos da imposição de tarifas do governo Trump, o que pode criar oportunidades de acesso ao mercado americano para alguns setores como a exportação de aço, frutas, legumes e vegetais, por exemplo, que foram alvo das tarifas impostas ao México e ao Canadá. Ainda não é claro se essas tarifas afetarão a importação de petróleo desses países também. Em caso afirmativo, também criaria oportunidades para o Brasil nesse setor. Contudo, fica o alerta de que tarifas comerciais serão utilizadas de forma indiscriminada pelo governo Trump para alcançar seus objetivos. Para o Brasil, a imposição de tarifas comerciais terá impactos negativos para diversos setores uma vez que os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do país.


Fernanda Brandão, coordenadora de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal NegoPB.