Home / Brasil e Mundo / No DF, indígenas pedem demarcações e combate às mudanças climáticas

No DF, indígenas pedem demarcações e combate às mudanças climáticas

No coração do Distrito Federal, Brasília amanheceu nesta segunda-feira com o movimento silencioso, mas insistente, do grito dos povos originários: mulheres, homens, jovens e líderes de diferentes etnias reuniram-se diante do Ministério da Justiça para exigir o que define a sobrevivência de suas tradições, culturas e autonomia — o direito à terra. Entre eles, Luana Kaingang, de 34 anos, artesã do povo Kaingang, carrega no corpo peças confeccionadas pelas mãos de sua comunidade, em um território demarcado em Porto Alegre (RS). No entanto, essas mesmas mãos, tão hábeis em transformar plantas em arte, hoje encontram dificuldades para manter vivo o artesanato que sustenta 58 famílias. “A criciúma, a taquara e o komag não crescem como antes”, conta Luana, referindo-se a três espécies essenciais para o trabalho de seu povo. As mudanças climáticas estão no centro do problema: longos períodos de estiagem e temporais fortes alteraram o ritmo da natureza, ameaçando colheitas, a rotina das famílias e, principalmente, a possibilidade de produzir.

O relato de Luana não é único. Em diferentes cantos do país, líderes indígenas vêm alertando para o aumento de eventos extremos — longas secas e enchentes repentinas — que comprometem não apenas as colheitas, mas a sobrevivência de práticas culturais milenares. Para além da escassez das plantas usadas no artesanato, há uma insegurança ainda maior: a falta de garantia territorial. “Enfrentar as mudanças do clima é ainda mais difícil quando não há sequer segurança no lugar em que se vive”, reflete a artesã. Os Kaingang, assim como outras etnias, dependem da demarcação de suas terras para proteger seus modos de vida, suas línguas, suas histórias.

Durante o ato promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com apoio da Avaaz, cerca de 200 indígenas de todo o país marcharam até o gramado em frente ao Ministério da Justiça, reivindicando a conclusão dos processos de demarcação que tramitam no Executivo Federal. Segundo a Apib, 104 Terras Indígenas aguardam apenas as etapas finais para serem regularizadas. Para o diretor-executivo da entidade, Kleber Karipuna, cada território reconhecido é um “escudo” contra o desmatamento. “A ciência comprova o que já sabemos: terra demarcada é floresta em pé e viva. Só nossos territórios na Amazônia geram 80% das chuvas que regam o agronegócio no Brasil”, afirmou. A conexão entre a proteção dos territórios indígenas, a conservação ambiental e o combate à crise climática se revela, portanto, não como um desejo, mas como uma necessidade urgente.

O encontro em Brasília integra a Pré-COP Indígena, que ocorre paralelamente à reunião internacional das nações sobre o clima. O recado dado por lideranças como Luana Kaingang e Kleber Karipuna é claro: as mudanças climáticas já transformam o cotidiano das comunidades indígenas, ameaçando seus saberes, economias e futuros. Mas a resposta para esse cenário não está apenas na adaptação aos novos ritmos da natureza, mas no reconhecimento de que os povos indígenas são os principais guardiões da biodiversidade — e, por isso, precisam ter seus direitos territoriais garantidos, como forma de conter o avanço da devastação ambiental.

Enquanto a discussão sobre o clima toma espaços formais de negociação internacional, as comunidades indígenas seguem resistindo, ocupando ruas e gramados, portando artesanatos, danças e cantos. Peças como as que Luana Kaingang carrega no corpo são mais do que adornos: são símbolos de identidade, de resistência cultural, de um saber que, há séculos, se reinventa diante dos desafios. Mas, sem terra demarcada e sem chuvas regulares, até mesmo a arte mais ancestral pode sucumbir às pressões de um planeta em transformação. No final, o que está em jogo não é apenas o artesanato ou a produção agrícola, mas a possibilidade de um futuro em que a diversidade cultural e ambiental sigam vivas no Brasil.

Fonte: Agência Brasil – Matéria Original (Clique para ler)