As invasões e o garimpo ilegal atingem quase 60% das comunidades quilombolas brasileiras, segundo pesquisa inédita do Instituto Sumaúma, organização da sociedade civil sem fins lucrativos. O estudo foi lançado durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém, e traz um alerta urgente sobre a sobreposição entre crises climáticas e violações de direitos humanos que ameaçam os territórios e os modos de vida dessas comunidades. Mais da metade dos territórios quilombolas já enfrenta secas extremas, enquanto quase metade relata perda de suas plantações, evidenciando o impacto direto das mudanças climáticas e da exploração predatória.
A pesquisa, intitulada “Corpos-territórios quilombolas e o fio conectado da ancestralidade: entre as agendas de justiça climática e as práticas culturais e comunicacionais”, mostra que os quilombos não são apenas vítimas das mudanças climáticas, mas também detentores de saberes ancestrais essenciais para a proteção dos biomas e para a construção de soluções sustentáveis. “Os dados provam o que as lideranças denunciam há décadas: o racismo ambiental define quem recebe investimento e quem tem seu território invadido. Não haverá justiça climática enquanto o financiamento climático não adotar lentes antirracistas. Os quilombos não são apenas vítimas das mudanças climáticas, eles são detentores das soluções ancestrais de manejo e proteção que o Brasil precisa”, afirma Taís Oliveira, diretora do Instituto Sumaúma.
A exclusão enfrentada pelas comunidades quilombolas é agravada por barreiras estruturais: 64,2% das lideranças relatam dificuldades para captar recursos devido ao racismo, enquanto o ecossistema de filantropia e investimento social raramente prioriza projetos liderados por comunidades negras. A agenda de sobrevivência e direitos básicos permanece como a mais urgente, com racismo, demanda por políticas públicas e educação sendo os temas mais citados entre as lideranças.
A pesquisa também destaca o protagonismo feminino e jovem entre os comunicadores quilombolas, com 58,5% das lideranças sendo mulheres e quase 70% entre 18 e 39 anos. Apesar do alto nível de escolaridade, a maioria vive com renda familiar de até cinco salários mínimos. A infraestrutura digital ainda é precária, com quase metade das comunidades enfrentando problemas de internet e sinal móvel, mas o uso de celulares e redes sociais é intenso, servindo como ferramenta de mobilização e resistência.
As conclusões do estudo reforçam a necessidade de políticas públicas e financiamento antirracista que reconheçam o papel central das comunidades quilombolas na justiça climática e na preservação dos biomas brasileiros. “Ainda existe uma imagem equivocada e até estereotipada de que os quilombolas vivem isolados, e essa não é a realidade. Assim como outras populações, nós também temos acesso à internet, frequentamos faculdade e levamos uma vida como qualquer outra. A diferença está na nossa relação com a natureza, que vem de nossas heranças ancestrais e se baseia no cuidado com todas as formas de vida. Para nós, nada disso é novo, é só a maneira como vivemos”, explica Juliane Sousa, quilombola, jornalista e pesquisadora que atuou como consultora na pesquisa.

