A participação dos alimentos ultraprocessados na dieta dos brasileiros mais que dobrou desde os anos 1980, passando de cerca de 10% para 23% do total calórico consumido. Essa informação é parte de uma série de artigos publicados por mais de 40 cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que destacam o aumento global do consumo desses produtos, que têm impacto significativo na saúde pública. O crescimento não é exclusivo do Brasil: em 93 países analisados, todos têm apresentado aumento no consumo de ultraprocessados, exceto o Reino Unido, que mantém seu consumo estável em aproximadamente 50%. Os Estados Unidos lideram com mais de 60% da dieta composta por esses produtos.
Esse fenômeno está associado a uma mudança estrutural nas dietas em todo o mundo, causada por grandes corporações globais que promovem ultraprocessados para obter lucros extraordinários, utilizando estratégias intensas de marketing e lobby político, o que dificulta a implementação de políticas públicas eficazes para promover alimentação saudável. Na Espanha e Coreia do Norte, por exemplo, o consumo triplicou nas últimas três décadas, e na China passou de 3,5% para 10,4%. O aumento é observado tanto em países de alta renda, que já tinham patamares elevados, quanto em nações de renda baixa e média, que têm registrado os maiores saltos percentuais.
Os ultraprocessados substituem alimentos tradicionais, o que tem consequências profundas para a saúde, pois são caracterizados por alta densidade calórica, baixo valor nutricional, e presença de aditivos químicos potencialmente prejudiciais. A análise de 104 estudos de longo prazo revelou que 92 deles associam o consumo regular desses produtos ao aumento do risco de múltiplas doenças crônicas, incluindo câncer, doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. O crescimento da obesidade e de doenças metabólicas e inflamatórias acompanha o aumento do consumo desses alimentos ao longo das últimas décadas.
A classificação dos alimentos em quatro grupos, introduzida por pesquisadores brasileiros em 2009, ajuda a entender essa transição: ultraprocessados são produtos comerciais industrializados, feitos com alimentos in natura, ingredientes baratos e numerosos aditivos químicos que os tornam duráveis, práticos e altamente palatáveis. Exemplos incluem biscoitos recheados, refrigerantes e macarrão instantâneo.
Os pesquisadores defendem medidas urgentes para reduzir o consumo desses produtos, entre elas a obrigação de sinalizar nas embalagens informações claras sobre aditivos e excesso de gordura, sal e açúcar, além da proibição da venda desses alimentos em escolas e hospitais, como já ocorre no Brasil pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que exige que 90% dos alimentos oferecidos sejam frescos ou minimamente processados. Também recomendam restrições severas à publicidade, especialmente para crianças, o aumento da oferta de alimentos frescos e naturais, e a sobretaxação de ultraprocessados para financiar iniciativas que garantam acesso a alimentos saudáveis para famílias de baixa renda.
A responsabilidade pelo avanço desse consumo está claramente atribuída às grandes corporações da indústria alimentícia, que no mundo alcançam vendas anuais de US$ 1,9 trilhão, configurando o segmento mais lucrativo do setor. Essas empresas utilizam processos industriais para reduzir custos, ingredientes baratos e estratégias de marketing agressivas para moldar dietas globalmente, aprofundando os desafios para a saúde pública e exigindo políticas coordenadas para restaurar dietas baseadas em alimentos integrais e preparados de forma tradicional.

