A Braiscompany é um esquema de pirâmide Ponzi? Polícia Federal deflagra operação contra empresa

A Polícia Federal realizou, na manhã desta quinta-feira (16), uma operação com o objetivo de combater crimes contra o sistema financeiro e o mercado de capitais, na sede e em endereços ligados à empresa paraibana Braiscompany. A empresa captava investidores sob a promessa de investimentos em criptomoedas com retorno de 8% ao mês e, após atrasos, passou a ser suspeita de golpe de milhões com criptomoedas. As ações da PF acontecem na sede da empresa e em um condomínio fechado, em Campina Grande, e em uma das filiais, em João Pessoa e em São Paulo.

Segundo a PF, nos últimos quatro anos, foram movimentados cerca de R$ 1,5 bilhão em criptomoedas, em contas vinculadas aos suspeitos, sócios da Braiscompany, que estão foragidos.

No total, foram cumpridos oito mandados de busca e apreensão e dois de prisão temporária, mas os sócios não foram encontrados.

O nome da operação, Halving, é em alusão ao aumento da dificuldade de mineração do bitcoin, que ocorre a cada quatro anos, período semelhante a ascensão e derrocada do esquema investigado.

A Polícia Federal apreendeu, nesta quinta-feira (16), durante a operação Halving, diversos veículos de luxo, pertencentes aos donos da BraisCompany, Antonio Neto Ais e Fabrícia Faria Campos. Entre eles, uma Porsche e uma BMW.

A ação da PF teve como objetivo desarticular um suposto esquema de pirâmide financeira que teria movimentado milhões de reais em todo o país.


O QUE É UM ESQUEMA PONZI?

Por Pedro Galhardo

Um esquema Ponzi é um tipo de esquema fraudulento similar a uma pirâmide financeira, com a diferença de que, no esquema Ponzi, os participantes não são compelidos a atraírem outros em troca de rendimento e ascensão na pirâmide. No caso do esquema Ponzi, os rendimentos prometidos aos investidores são pagos com o dinheiro dos novos, os rendimentos não são reais e muito menos obtidos através da real aplicação dos fundos. O esquema é chamado de “Ponzi” porque foi criado por Charles Ponzi, um estelionatário italiano-americano do início do sec. XX que se tornou famoso por prometer aos investidores retornos enormes em um curto período de tempo.

Um esquema Ponzi depende da continuidade do fluxo constante de novos investidores para pagar os rendimentos prometidos aos investidores mais antigos. Enquanto houver dinheiro suficiente sendo investido, o esquema pode continuar por muito tempo. No entanto, inevitavelmente, o número de novos investidores diminui e o esquema desmorona, deixando muitos sem o dinheiro que haviam colocado no ‘negócio’.

As principais características de um esquema dessa natureza são o altíssimo retorno sobre o capital investido quando comparado a investimento tradicionais no mercado e a estabilidade desses retornos auferidos, independente das condições de mercado. Dada a imprevisibilidade dos mercados e comportamento que beira o irracional, rendimentos altíssimos e constantes são uma utopia em mercados de alto risco.

Bernie Madoff  e o maior esquema Ponzi do mundo

Bernie Madoff foi um operador de Wall Street, o coração financeiro do mundo. Ele gozava de enorme prestígio entre os grandes brokers da bolsa americana NYSE (New York Stock Exchange), tendo sido até mesmo presidente e um dos fundadores da NASDAQ, bolsa americana onde se encontram as ações das empresas de tecnologia mais valiosas do mundo, entre elas as chamada FAANG (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google).

Madoff acabou condenado em 2009 por liderar uma pirâmide financeira que causou prejuízos em mais de $ 60 bilhões de dólares aos investidores. Seus clientes eram tanto pessoas jurídicas, empresas, incluindo-se nessa lista fundos de investimento gigantescos (como fundos de pensão e aposentadoria que foram à falência); entre as vítimas muitos milionários, bilionários, membros de famílias reais da Europa, mas também pessoas ‘comuns’, ‘normais’, trabalhadores, classe média, que viram as economias de uma vida virarem pó.

Em épocas boas ou ruins, ele era capaz de pagar 10% ou mais de rentabilidade todos os anos. “É uma estratégia do meu negócio. Não posso dar muitos detalhes”, disse ele certa vez.

As investigações apontaram que a “estratégia do negócio” era usar dinheiro de novos investidores para pagar dividendos aos mais antigos. Exatamente o esquema de pirâmide Ponzi mencionado acima. Essa forma de operação é, inevitavelmente, insustentável no longo prazo e, sobretudo, ilegal.

Quando os investidores começaram a tentar retirar grandes quantidades de dinheiro de uma só vez (devido à crise financeira de 2008), o esquema ficou escancarado e desmoronou. Madoff foi preso e condenado a 150 anos de prisão.

O esquema causou danos enormes a muitas pessoas e instituições, incluindo fundos de pensão, instituições de caridade e investidores individuais, sendo que a maioria perdeu tudo e muitos outros tiveram que trabalhar por muito mais tempo do que planejavam para recuperar suas perdas.

Interessantíssimo assistir, sobre o assunto, tanto o filme ‘O mago das mentiras’, lançado em  2017 e disponível na HBO Max, como também o recente documentário lançado pela Netflix ‘Bernie Madoff, O golpista de Wall Street’.

Bernard Madoff morreu em 2021, aos 82 anos de idade, enquanto cumpria sua pena de 150 anos na prisão federal de Butner, Carolina do Norte, após ter tido seu pedido de clemência negado, já que estava com uma doença terminal.

Esquemas Ponzi são ilegais no Brasil desde 1951

No Brasil, a operação de pirâmides financeiras é crime contra a economia popular, de acordo com o artigo 2.º, inciso IX, da Lei dos Crimes contra a Economia Popular (Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951).

Apesar da lei ser antiga, não faltam exemplos no Brasil de esquemas similares que aparecem de tempos em tempos e lesam inúmeras vítimas. Alguns conseguem ganhar, é verdade, principalmente os que entram primeiro e conseguem sair. Mas a grande maioria vai à ruína. Quem não lembra da febre da Telexfree de uns anos atrás? Após anos de batalha jurídica e prejuízos estimados em torno de R$ 1 bilhão, somente em 2022 os primeiros investidores começaram a ser ressarcidos.  Mais recentemente, e agora envolvendo criptomoedas, o conhecido ‘Rei do Bitcoin’ foi condenado por estelionato e crimes contra o sistema financeiro em fraude bilionária. Isso só para citar alguns exemplos.

A BRAISCOMPANY é um esquema de pirâmide Ponzi?

Braiscompany é uma empresa que trabalha com o que eles chamam de ‘aluguel de criptoativos’, modalidade dita inovadora em que o cliente envia criptomoedas para empresa com a promessa de receber rendimentos constantes em cima do valor aplicado, tudo assinado em contrato, e com firma reconhecida.

As primeiras notícias de atraso nos pagamentos do ‘aluguel’ começaram entre novembro e dezembro de 2022. De lá para cá, a situação parece ter se tornado insustentável, com as possíveis vítimas formando uma associação, protestos em frente à sede da empresa em Campina Grande/PB e o Ministério Público reabrindo investigação por possível fraude contra a Braiscompany, ainda em janeiro deste ano.

Nos últimos dias, a história ganhou proporções nacionais. A BBC Brasil destacou que “milhares de campinenses, motivados pelo boca a boca entre parentes, amigos e conhecidos, investiram suas economias pessoais sob a promessa de um ganho financeiro ao redor de 8% ao mês”. Segundo a BBC essa é “uma taxa considerada irreal pelos padrões usuais do mercado”. A BBC News Brasil também estima que o efeito da crise será sentido negativamente até mesmo no PIB da Cidade de Campina Grande, um dos polos comerciais mais importantes do Estado, uma vez que as economias de muitas pessoas físicas e de grandes comerciantes foram parar na empresa.

A nível nacional, outro grande portal a abordar o tema foi o “O Antagonista”, criado pelos jornalistas Diogo Mainardi e Mário Sabino em 2015.

Entre outras acusações, o Portal destaca a denúncia de ex-funcionário de que” a empresa disse que apenas 5% do capital investido pelos clientes é de fato operado pela Braiscompany e que os consultores da financeira eram obrigados a investir 30% de seus próprios salários nos negócios da companhia”.

“Muitos [funcionários] saíram porque viram que o negócio era totalmente diferente do que se noticiava na mídia. Saía mais dinheiro do que se operava. Foi quando eu comecei a ver que o negócio era errado”, continua o renomado Portal.

De fato, os rendimentos da Braiscompany desafiam a lógica de quem tem algum conhecimento e contato com o mercado financeiro. Impressiona, logo de cara, o “histórico do índice de remuneração” apresentado publicamente pela empresa em seu site e enviado a seus clientes logo no primeiro contato, como apurado pelo Portal NegoPB:

A tabela de remuneração apresentada pela Braiscompany é realmente surpreendente, já que, somente em 2022, o Bitcoin (principal criptomoeda do mundo, perdeu mais de 200% em valor de mercado quando comparado ao Dólar americano:

É curioso e inquietante olhar essas duas tabelas lado a lado e saber que, neste momento, muitas pessoas estavam confiando tudo que tinham, economias de uma vida, com a empresa. Essa tabela, aliás, não chega nem perto de ser um relatório das operações realizadas no mercado de criptomoedas (de onde, supõem-se, a empresa retira ou deveria ter retirado o retorno dos investimentos do capital dos clientes sob sua custódia), algo que seria normal caso a empresa investisse o capital aportado pelos clientes.

Ressalte-se que o mercado de criptomoedas utiliza-se da tecnologia da blockchain para garantir a segurança e confiabilidade das operações. A grande inovação da blockchain é que ela é ao mesmo tempo pública e segura, pois nela estão registradas todas as operações e o dispositivo de onde se originaram, e as informações não ficam salvas em um provedor específico, estando imutavelmente salvas na ‘rede’ onde as operações foram realizadas, enquanto a rede existir, lá estarão as operações. Sendo assim, caso a empresa realmente invista os valores sob sua custódia no mercado de criptomoedas e através desses investimentos obtenha essa extraordinária remuneração apresentada em tabela, seria fácil apresentar um relatório das operações realizadas e o lucro (ou prejuízo) obtidos, pois o registro é público e imutável dentro rede blockchain.

Como forma de comparação, e para podermos resguardar as devidas proporções, vamos aos rendimentos da maior gestora de ativos do mundo, a gigantesca BlackRock, com mais de 50 anos de experiência e presente em 38 países, conta com incríveis US$ 7,2 trilhões, sim, US$ 7,2 trilhões de dólares sob sua custódia. Alguns fundos mais arrojados e de maior risco administrados pela empresa, renderam 11,62% nos últimos 12 meses, caso do China Bond Fund D2, com 70% do capital aplicado em moeda chinesa. Outro fundo arrojado da BlackRock é o US Dollar High Yield Bond, com 70% do capital aplicado em dólar dos EUA e rendeu 8,97% no último ano. Outros fundos gigantescos administrados pela empresa seguem, regra geral, essa mesma média de remuneração anual, alguns para mais, outros para menos.

No caso do Brasil, apenas como exemplo, uma seleção dos 5 fundos mais rentáveis (e mais arriscados) disponíveis na Corretora ModalMais, cujo acionista majoritário é a XP Investimentos, a maior corretora do país. Vemos que o fundo que mais entregou rentabilidade, chegou a 35,56% de valorização da quota parte no último ano (2022).

5 fundos mais rentáveis (e mais arriscados) disponíveis na corretora ModalMais.

Ressalte-se que os fundos citados citados acima fazem parte do mercado oficial regulado pela B3 (a Bolsa Brasileira) e pela CVM, responsável por regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários no Brasil. Estes fundos são protegidos pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito) que garantem o investidor em caso de a instituição financeira coberta pelo fundo não consiga honrar com seus compromissos, em casos de decretação de intervenção ou liquidação extrajudicial, até o limite de R$ 250.000,00 mil por CPF. Na prática, se o fundo falir ou se os administradores falirem o fundo, o investidor terá seu dinheiro de volta até o limite previsto.

Esta possibilidade não existe para os que investiram com Braiscompany, o mercado de criptomoedas só foi regulamentado no Brasil em dezembro de 2022 através da Lei 14.478/22, que determina as diretrizes para a regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais (criptomoedas), aprovado com um vacatio legis de 180 dias, ou seja, ela só entrará em vigor em junho deste ano.

Vê-se que, no mundo real, valores como os prometidos e, até novembro/dezembro de 2022, pagos pelas Braiscompany são absolutamente fora da curva do mercado, são irreais. A conclusão inevitável é de que esses valores não vieram de operações realizadas no mercado de criptomoedas, onde seria impossível conseguir essa taxa e estabilidade de retorno, devido a natural imprevisibilidade do mercado e a downtrend dos últimos anos.

Muito provavelmente, os rendimentos dos que já estavam foram pagos com o capital dos investidores que estavam entrando, até o ponto em que o fluxo de novos clientes cessou ou diminuiu consideravelmente ou, ainda, o volume de retiradas se tornou insustentável. Em todo caso, podemos estar diante de um dos maiores esquemas de pirâmide Ponzi do mundo, que, infelizmente, levará muitas pessoas, paraibanos em sua maioria, à completa ruína financeira.


 Pedro Galhardo é Bacharel em Direito, jornalista e tecnólogo em Comércio Exterior; pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais, é também professor de inglês. Traduz textos jornalísticos de relevância desde, pelo menos, 2017. Seus hobbies incluem, mas não se limitam, ao estudo de história, geografia, economia e mercados, música, iatismo, aviação e outras línguas estrangeiras, como o francês e o espanhol.