Caso Marielle completa mil dias sem respostas sobre motivações e possíveis mandantes

Por Henrique Coelho, G1 Rio

Mônica Benício afirma que ‘não resposta’ lhe causa mais dor. Já Anielle Franco, irmã, diz que ainda tem esperança.
Marielle Franco

Desde o dia 14 de março de 2018, são quase 24 mil horas, mil dias, em que imprensa, famílias, polícia e ativistas no mundo inteiro se perguntam: por que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes? Alguém encomendou o homicídio? Se sim, quem foi?

Nesta terça-feira (8), se completam mil dias desde que a Polícia Civil foi chamada para o local do homicídio, na esquina das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, no Estácio, bem próximo à Avenida Paulo de Frontin. O G1 conversou com três pessoas próximas de Marielle para falar sobre como cada uma delas passou por esse período, repleto de dúvidas, incerteza e luta para encontrar respostas sobre o crime.

A Delegacia de Homicídios e o Ministério Público seguem investigando os assassinatos. O secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, quer que o crime seja solucionado com prioridade, de acordo com fontes ouvidas pelo G1. Em março de 2021, o assassinato completa três anos, sem que Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz tenham ido a julgamento em júri popular.

Nesta terça-feira, um protesto na Cinelândia marcou a data de mil dias durante a manhã. Mais de 500 despertadores foram colocados em frente à Câmara de Vereadores, que também foi o local do velório de Marielle no dia 15 de março de 2018.

Esperança

Anielle Franco, irmã de Marielle, enfrenta muitos dias, segundo ela, em que não sente que será possível encontrar respostas sobre a motivação para o homicídio de Marielle.

No entanto, a palavra que a move com relação às investigações do crime é esperança, apesar de não conseguir entender por que mataram sua irmã.

“Eu entendo a gravidade desse crime, eu entendo a dificuldade que deve ser chegar a quem mandou matar. E eu realmente passei mil dias tentando entender qual o motivo de ser a minha irmã, por que ela? E eu não consigo entender. Mas dentro de mim eu espero que a gente não tenha que esperar mais mil dias por uma resposta”, afirmou ela ao G1.

Anielle diz que sente muita falta dos momentos de encontro com Marielle e dos domingos em família, com a missa e, depois, o almoço com todos reunidos. Ela lembra como passou o período após o crime.

“São mil dias de muito aprendizado, são mil dias de muita luta, são mil dias de muita fé, para que esse crime aí algum dia seja descoberto o mandante. Eu acho que a gente não pode perder a esperança sobre isso”, resumiu.

Mônica Benício, viúva de Marielle, tem vivido uma mistura de emoções quando fala da ex-companheira. Em novembro, foi eleita para o mesmo cargo de vereadora que Marielle ocupava quando foi assassinada.

No entanto, quando conversou com o G1 nesta segunda-feira (7), no dia 999 após o crime, contou essa “não resposta” sobre um possível mandante do crime lhe causa mais dor.

“Do ponto de vista pessoal, é muito doloroso, porque não tem um fechar de luto, não tem sequer uma possibilidade de fazer um luto que caiba, paralelo a essa luta de justiça. Mas essa luta por justiça tem um custo emocional muito grande. Então, é um desafio lidar com esses mil dias sem resposta”

Mônica diz que vai continuar com projetos que eram tocados por Marielle, como o da visibilidade lésbica, a pauta LGBT e outros projetos de lei propostos na Câmara que ela alega que não foram implementados.

Ela, inclusive, concorda com o vereador Tarcísio Motta (leia mais abaixo), sobre a possibilidade de o crime ter sido por uma motivação política.

“Está mais do que dado que é um crime político, que tem mandantes. A gente está falando de duas pessoas que foram pagas para fazer o que fizeram, e que já deveriam estar presas há muito tempo. Eu não sei nem te dizer quando é que chega algum tipo de paz, alguma vida um pouco mais serena”, ponderou Mônica.

Tarcísio Motta entrou na vida política como vereador ao mesmo tempo que Marielle Franco. As salas 902 e 903 do palácio Pedro Ernesto, na Cinelândia, estavam separadas por apenas uma divisória. Tarcísio, mais de dois anos e nove meses depois do crime, acredita que a morte de sua amiga e companheira de PSOL tenha tido uma motivação política.

“Acho que há uma motivação política. Não consigo ver de outra forma. As linhas que me pareceram fazer mais sentido são aquelas que indicavam para uma perspectiva de vingança contra o trabalho do partido e em especial o trabalho do partido no enfrentamento às milícias”, explicou ele.

Segundo Tarcísio, foram três fases após a morte de Marielle. A primeira é a fase da dor mais aguda, do espanto, em que não se sabia muito bem o que havia acontecido.

Em seguida, ele diz que veio a indignação, a cobrança por informações dos responsáveis. Por último, a angústia de não ter todas as respostas sobre o crime, o que persiste até hoje.

“Eu acho que, no final das contas, punir ou responsabilizar o Ronnie Lessa e o Elcio de Queiroz sem que a gente saiba qual é o motivo pelo qual eles foram contratados ou se por acaso partiu deles, o que não me parece fazer sentido, é uma angústia. Quem mandou matar? Por que? Até hoje é uma angústia. Mil dias depois, o que a gente pode esperar do futuro? Essa investigação vai conseguir chegar ao fim?”, questionou Tarcísio.

Investigações seguem sob sigilo

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz deixam a Delegacia de Homicídios, na Barra, após terem sido presos pelo homicídio de Marielle Franco — Foto: Reprodução/TV Globo

Quase um ano e 9 meses depois das prisões dos suspeitos das execuções – o PM reformado Ronnie Lessa e o PM expulso Elcio de Queiroz – houve novas prisões, de suspeitos de terem atirado as armas de Lessa ao mar, uma tentativa de ocultação que o G1 revelou em março de 2019.

Até esta terça-feira, não está claro se a arma do crime também foi jogada ao mar. Entre os presos na operação Submersus, estava a mulher de Ronnie, Elaine Lessa, e seu cunhado, Bruno Figueiredo.

Durante o ano de 2018, a Delegacia de Homicídios da Capital conviveu com acusações, feitas pelo miliciano Orlando da Curicica, de receber propina para não investigar crimes cometidos a mando de bicheiros e até com a chamada “investigação da investigação”.

No início de 2019, Rivaldo Barbosa deixou o cargo de chefe de Polícia Civil. Desde então, dois secretários de Polícia Civil e três delegados comandaram a Delegacia de Homicídios da Capital, responsável pela investigação do caso. Moysés Santana, que veio da Baixada Fluminense, assumiu o cargo há 90 dias.

O vereador Marcello Siciliano, investigado por envolvimento com milícias na Zona Oeste, chegou a ser investigado como o mandante do crime, em um suposto conluio com Orlando, atualmente encarcerado em um presídio federal fora do Rio de Janeiro. Posteriormente, a testemunha que ventilou a hipótese à Polícia Civil, o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, foi preso por envolvimento com a milícia.

A Polícia Federal, que encaminhou Ferreirinha à DH, concluiu que ele criou a história para confundir as autoridades e se vingar de Orlando, para quem já trabalhou.

Em 17 de setembro de 2019, Raquel Dodge, que deixava a Procuradoria-Geral da República, informou que apresentou denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra cinco pessoas por interferência nas investigações do assassinato da vereadora e do motorista.

Fora denunciados um conselheiro afastado do TCE-RJ, Domingos Brazão, e um funcionário do gabinete dele, o PM Rodrigo Jorge Ferreira e a advogada dele, além um policial federal. (Veja quem são os denunciados e o que disseram)

Dodge também pediu ao tribunal a abertura de um novo inquérito para apurar quem foram os mandantes do crime e solicitou que toda a investigação do caso vá para o âmbito federal. No dia 805 desde o crime, no entanto, a proposta de federalização foi negada, e a investigação segue a cargo da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro.