Em meio a Segunda Guerra Mundial, enquanto o regime nazista espalhava horror pela Europa, um brasileiro se destacou pela coragem e humanismo. Luís Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França durante os anos 1940, desafiou ordens expressas do governo de Getúlio Vargas e concedeu vistos a milhares de judeus e outras minorias perseguidas pelo regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Sua história, no entanto, permanece desconhecida da maioria dos brasileiros. Enquanto o Brasil, sob o regime do Estado Novo liderado por Getúlio Vargas, flertava com o Eixo, mantendo relações comerciais e diplomáticas com a Alemanha nazista e a Itália fascista, Souza Dantas desafiou as ordens de seu governo e concedeu vistos a milhares de judeus e outras minorias perseguidas pelos nazistas.
Foi apenas pela pressão crescente dos Estados Unidos — tanto diplomática quanto militar — que o Brasil acabou junto aos Aliados em 1942. Até então, as ordens do governo brasileiro eram claras: restringir ao máximo a imigração semita e outros “indesejados”, negando vistos a refugiados que tentavam escapar do Holocausto.
Conhecido por uma vida boêmia, caríssimos jantares e presença marcante entre as elites, Dantas era diplomata de carreira e foi solteiro até os 57 anos, casando-se apenas em 30 de setembro de 1933 com a viúva americana Elise Meyer Stern, irmã de Eugene Meyer, proprietário do The Washington Post.
Dono de uma rede de informações privilegiadas, Souza Dantas comunicou ao Itamaraty a iminente queda de Paris em junho de 1940, antes mesmo da chegada do exército alemão. Sua proximidade com os acontecimentos e sua atuação levantaram suspeitas entre os nazistas, que há muito cogitavam sua participação em atividades de espionagem para os Aliados. Após a retirada do governo francês para Bordeaux e depois para Vichy, a França foi fragmentada: o Norte permaneceu sob domínio alemão, enquanto a chamada Zona Livre foi entregue ao governo colaboracionista do marechal Philippe Pétain.
Em uma decisão pioneira, Souza Dantas tornou-se o primeiro embaixador estrangeiro a se transferir para Vichy, sendo seguido posteriormente por outros diplomatas. Apesar da mudança, permitia que alguns subordinados mantivessem contato com autoridades alemãs em Paris para trocar informações, que então eram repassadas ao Itamaraty.
Pouco antes de deixar a Paris ocupada, o diplomata começou a conceder vistos diplomáticos a qualquer solicitante, sem exigir contrapartidas, o que desafiava diretamente a política migratória imposta por Getúlio Vargas. Desde antes da instauração do Estado Novo, o governo brasileiro buscava restringir a imigração judaica por meio de “circulares secretas”, sendo a primeira delas, de número 1.127, datada de junho de 1937.
A maior parte dos representantes diplomáticos brasileiros no exterior seguiu à risca essas diretrizes. Em abril de 1938, menos de um ano após a primeira circular, o cônsul-geral em Budapeste, Mário Moreira da Silva, relatou ao ministro Oswaldo Aranha a recusa de vistos para 55 indivíduos, “todos declaradamente de origem semita”.
A legislação brasileira exigia que solicitantes apresentassem documentos impossíveis de obter para os que fugiam da perseguição nazista, como certidões de antecedentes criminais, atestados de saúde e comprovação de “origem étnica”. Muitos refugiados possuíam apenas os chamados passaportes Nansen, fornecidos pela extinta Liga das Nações para apátridas. Souza Dantas, ignorando as restrições, chegou a assinar vistos até mesmo em cardápios de restaurantes, segundo diplomatas.
Em 12 de dezembro de 1940, Oswaldo Aranha reiterou a proibição de concessão de vistos a judeus por meio da circular 1.498. Para contornar a ordem, Souza Dantas passou a datar os documentos como se tivessem sido emitidos antes da circular. Nem todos os refugiados que ajudou seguiram para o Brasil. No final de 1941, o governo brasileiro, já pressionado pelos Estados Unidos, repreendeu o embaixador por sua “generosidade” no fornecimento de vistos e abriu um inquérito administrativo contra ele. No entanto, com Vargas se inclinando cada vez mais para os Aliados, o Brasil romperia relações com o Eixo em janeiro de 1942.
Enquanto o Itamaraty fechava o cerco investigativo, os nazistas tomaram a Zona Livre e invadiram a embaixada brasileira em Vichy, em busca de arquivos comprometedores. Souza Dantas, aos 66 anos, foi chamado às pressas e protestou veementemente: “Os senhores estão violando as convenções internacionais! Esta é uma extensão do território brasileiro. Peço que se retirem imediatamente”. Foi, então, colocado sob a mira das armas da Gestapo e detido por 14 meses na Alemanha, sendo libertado posteriormente em uma troca de prisioneiros com o Brasil.
Ao retornar ao Rio de Janeiro, soube que o inquérito contra ele havia sido arquivado, mas sua carreira diplomática já estava encerrada. Foi relegado ao ostracismo até o fim da Segunda Guerra Mundial. Sua esposa, Elise, debilitada pela senilidade, foi levada para os Estados Unidos, onde faleceu em 1952. Dois anos depois, em abril de 1954, Souza Dantas morreu em Paris, em um modesto quarto no Grand Hôtel, na Praça da Ópera. Seu inventário listava poucos bens, e seu corpo foi trasladado para o Brasil.
Seu nome, no entanto, atravessou o tempo. No Jardim dos Justos entre as Nações, em Israel, está registrada sua memória como um dos que desafiaram o horror do Holocausto para salvar vidas.
Sua história, pouco lembrada e pouco conhecida no Brasil, foi retratada no filme, Querido Embaixador, lançado em 2018, é um docudrama que mistura elementos ficcionais e documentais para contar sua história.

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