A acusação hipócrita de Netanyahu contra Lula

AVISO: O governo de Israel não representa todas as opiniões de seus cidadãos. Assim como em outros países, há discordância, protestos e oposição às políticas governamentais. Além disso, diferentes vertentes do judaísmo também se manifestam contra certas ações, como a guerra, sua condução e o governo de Netanyahu. É importante entender que o governo não reflete totalmente o pensamento dos habitantes de Israel, nem do povo judeu em sua totalidade. Este texto não critica os israelenses ou o povo judeu, mas sim o governo de Israel e suas ações.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, acusou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva de ultrapassar um limite moral ao estabelecer paralelos entre o conflito em Gaza e o Holocausto. A crítica de Netanyahu vem após os comentários de Lula durante uma coletiva de imprensa, onde ele condenou as ações militares israelenses em Gaza, comparando-as às atrocidades nazistas contra judeus durante o regime de Adolf Hitler.

A resposta de Netanyahu veio como navalha. Ora, se nem a África do apartheid, de Nelson Mandela, pode acusá-los de genocídio com o fez no Tribunal Penal Internacional em julgamento ainda em curso, imaginem se vão aceitar que Lula o faça. Aqui no Brasil a oposição já prepara pedido de impeachment pela falas de Lula, por ousar criticar as ações governo de Israel.

Netanyahu então caracterizou os comentários de Lula como “vergonhosos e sérios”, acusando-o de trivializar o Holocausto e tentar minar o direito do povo israelense à autodefesa. O primeiro-ministro enfatizou que comparar Israel à Alemanha nazista e a Hitler constitui cruzar uma ‘linha vermelha’, um limiar metafórico que denota uma comparação inaceitável.

Em meio a esse confronto sangrento é difícil até afirmar se o alvo do governo de Israel é mesmo o Hamas ou a população civil de Gaza, é impossível não questionar a posição de Netanyahu. Será que ele realmente compreende o significado de uma ‘linha vermelha’, considerando que seu governo tem estado envolvido em uma campanha militar sangrenta contra o Hamas desde o deplorável ataque do dia 7 de outubro de 2023 e que o custo deste conflito tem sido avassalador, com quase 29 mil vidas perdidas em Gaza, 70% das quais composta por mulheres e crianças? Será que ele entende que uma ‘linha vermelha’ simboliza um limite inequívoco, semelhante à proverbial gota d’água que faz o copo transbordar?

Consideremos que caso os números se mantenham proporcionalmente constantes, ao fim e ao cabo deste conflito podemos chegar ao chocante número de 70 mil (sim, setenta mil) mulheres e crianças mortas até que esteja morto o último combatente do Hamas, isso se consideramos que a totalidade dos homens que morreram até agora (7 mil) eram militantes do Hamas, o que não é absolutamente verdade. É só fazermos as contas. É uma regra de três simples e Israel não dá sinais de que pretende mudar sua ‘avançada’ técnica militar de fazer chover bombas ‘sujas’ de baixa precisão em regiões civis densamente povoadas, mesmo tendo recebido repetidos avisos e inúmeras críticas de organizações internacionais humanitárias sobre as consequências de suas táticas militares.

A despeito de tais advertências, o comentário displicente do Ministro da Defesa de Israel, justificando suas ações por estarem combatendo “animais”, revela uma preocupante falta de respeito pela vida humana por parte de membros do alto escalão do governo de Israel.

Além disso, as estatísticas revelam uma intensidade de violência impressionante, com dados do governo americano mostrando que Israel teria lançando, pelo menos até dezembro de 2023, 29.000 bombas em Gaza, isso em apenas dois meses de conflito. Esse bombardeio supera em muito a escala das operações militares conduzidas pelos EUA no Iraque ao longo de seis anos de combate.

Enquanto Netanyahu persiste em sua campanha militar agressiva, visando até mesmo o último refúgio dos palestinos em Rafah, cidade que conta agora com mais de 1 milhão de palestinos refugiados, fica a questão de onde realmente está a chamada ‘linha vermelha’. Com milhares de vítimas civis, incluindo um número assustadoramente alto de mulheres e crianças, a consternação de Netanyahu com a fala de Lula soa oca e hipócrita diante da crescente crise humanitária e se asemelha mais à propaganda de governo.

Ao analisarmos os números, desvenda-se uma triste realidade. Se ousarmos calcular o custo humano deste conflito, ignorando qualquer vestígio de empatia, as implicações são condenáveis. Desde o início do conflito, a cada bomba lançada se perdeu uma vida, foram 29 mil bombas para 29 mil mil mortos, em números aproximados. Levando-se em conta mulheres e crianças, cada bomba vitimou pelo menos uma delas. Aqui a linha entre o tal direito à autodefesa e o completo desrespeito aos direitos humanos se confunde.

Neste contexto sombrio, a condenação de Netanyahu à comparação de Lula se revela como pura hipocrisia. Enquanto ele adverte outros por ultrapassarem limites morais, as ações de seu próprio governo falam por si e nos mostram que ele não conhece limite moral nenhum e não demonstra empatia ou arrependimento. Em seus discursos destila ódio e faz referências a passagens da Bíblia que falam em aniquilação total do inimigo.

Enquanto o mundo observa o conflito em Gaza se desenrolar, torna-se cada vez mais evidente que a verdadeira ‘linha vermelha’ não está na retórica, mas na preservação da dignidade humana e na busca pela paz, em termos práticos. Ao comparar o que está ocorrendo em Gaza com a matança dos judeus pela Alemanha nazista, Lula quer chamar a atenção do mundo na tentativa de se pôr um fim a esse conflito horrendo. O apontar de dedos acusatórios de Netanyahu serve apenas para desviar a atenção da dolorosa realidade no terreno, onde vidas humanas estão diante da barbárie e do medo.

Por Pedro Galhardo