“ATENÇÃO: ESTA REPORTAGEM CONTÉM CONTEÚDO SENSÍVEL QUE PODE SER PERTURBADOR PARA ALGUNS LEITORES. POR FAVOR, LEIA COM CUIDADO E DISCRIÇÃO.”
Por El País | Traduzido do espanhol por Pedro Galhardo
O ex-lateral do Barcelona deu três versões diferentes em sua declaração e nenhuma delas correspondia com as evidências coletadas pela Polícia da Catalunha
A jovem de 23 anos que supostamente teria sido estuprada por Daniel Alves renunciou, diante do tribunal que investiga o caso, o direito de ser indenizada pelo jogador, de acordo com fontes da investigação que foram detalhadas para o EL PAÍS.
Apesar de magistrada que julga o caso ter lhe lembrado que ela tem o direito, em caso de condenação, de ser ressarcida economicamente pelas lesões e danos morais sofridos, a mulher renunciou explicitamente exercer esse direito porque seu objetivo, segundo ela, é que se faça justiça e que o ex-jogador do Barça pague com a prisão pelo ocorrido. Alves permanece preso preventivamente sem fiança desde a sexta-feira (20) à tarde, depois que a juíza ouviu as declarações da vítima e do acusado e analisou as evidências coletadas pela Polícia do suposto estupro, ocorrido na madrugada de 30 de dezembro nos banheiros da área VIP da boate de luxo Sutton, em Barcelona.
A decisão da prisão preventiva dá plena credibilidade à jovem, cuja declaração foi “contundente” e “sólida”. No tribunal, ela repetiu exatamente o que havia dito no dia 2 de janeiro, três dias após os eventos, quando apresentou a denúncia. O Jornal ‘El Periódico de Catalunya’ vazou parte do conteúdo da denúncia, ao qual este jornal teve acesso e relata o seguinte: a mulher entrou na Sutton, pouco antes das 2h, junto com uma amiga e prima. Conheceram alguns rapazes mexicanos que as convidaram para subir para a área VIP. Um garçom as pediu de forma insistente para mudarem de mesa. “Um amigo meu quer que vocês estejam lá”, indicou em direção a uma mesa onde estavam sentados Daniel Alves e um amigo dele. A vítima afirma em sua declaração que não sabia que se tratava do jogador até que os mexicanos dizerem. O jogador brasileiro brincou e teria dito que era jogador de “petanca”.
De repente as coisas ficaram intensas na sala VIP da Sutton. Alves, de 39 anos, ofereceu às três garotas uma bebida e ficou atrás da vítima, grudado nela. “Ele estava me dando nojo. Ele pegou minha mão por trás, colocou em seu pênis e eu tirei”, detalhou. Alves mandou ela entrar por uma porta que (ela não sabia) dava no banheiro da área VIP; depois que ela entrou, ele fechou a porta e sentou-se no vaso sanitário. Disse-lhe que ela não poderia sair, pegou sua cabeça com força em direção a seu pênis com a intenção que ela praticasse sexo oral e, de acordo com a versão da vítima, a agrediu. No mesmo instante, ele a virou em cima dele e a penetrou “de maneira violenta” até ejacular. Ele se levantou, vestiu-se e disse: “Eu saio primeiro”. A vítima saiu com o rosto e cabelos completamente desarrumados, avisou sua amiga e prima que iriam embora, começou a chorar e, ao sair, explicou o que aconteceu ao porteiro, que a levou de volta para a sala para que ela pudesse falar com um responsável da Sutton. Ela foi atendida no Hospital Clínic, cujo relatório médico é uma das evidências do caso.
45 minutos de declaração
À solidez dessa declaração se contrapõe a fragilidade dos relatos apresentados por Daniel Alves, que chegou a oferecer três versões diferentes em um interrogatório de apenas 45 minutos. À juíza, disse que estava no banheiro quando a garota entrou e que não houve contato entre os dois. À polícia, esclareceu que quando ela entrou no banheiro ele ficou parado, sem saber o que fazer. Às perguntas da acusação, atribuiu a culpa da conduta sexual à vítima e disse que na verdade a garota se jogou em cima dele enquanto ele estava no vaso sanitário fazendo suas necessidades e tentou fazer sexo oral com ele e que, no entanto, não havia dito nada para “protegê-la”.
Na decisão da prisão preventiva, a juíza destaca essas contradições como mais um elemento formador de sua decisão. O que foi declarado por Alves é muito diferente do que, alguns dias antes e de forma espontânea, ele explicou em um vídeo que enviou para o programa ‘Y ahora Sonsoles’, da Antena 3. Lá, ele contou que não conhecia a garota. “Sinto muito, mas não sei quem é essa senhorita, não sei quem é, nunca a vi na minha vida”. Sua declaração no juizado, de qualquer forma, também não se corrobora as evidências coletadas durante a investigação da Polícia da Catalunha. Ao apresentar a denúncia, a garota entregou a polícia o vestido preto que ela estava usando na noite dos eventos – de onde foram extraídos vestígios biológicos – e também autorizou a extração de DNA para comparar com as amostras encontradas no banheiro da área VIP. Os agentes tomaram depoimento de várias testemunhas e analisaram as câmeras de vigilância, que, embora não mostrem o ato em si, pois ocorreu no banheiro, oferecem informações de contexto relevantes.
A juíza acabou ordenando a prisão de Alves devido ao risco de fuga, como haviam solicitado o Ministério Público e o advogado da vítima, mesmo ele tendo se apresentado voluntariamente para depor vindo do México, onde atualmente joga. A magistrada avaliou que, diante da gravidade dos fatos – uma agressão sexual como a que está sendo investigada – cuja pena varia entre quatro e doze anos de prisão -, o jogador poderia empreender fuga da Espanha. E mais, se levarmos em conta outros fatores, ele não tem raízes na Espanha, tem a nacionalidade brasileira (país com o qual a Espanha não tem acordo de extradição) e sua enorme capacidade econômica. O advogado da acusação lembrou que, com seu patrimônio, ele poderia até mesmo alugar ou comprar um avião particular e sair do país sem precisar mostrar o passaporte. O salário de Alves no Pumas – que, após saber de sua prisão, rescindiu o contrato com ele – também veio à tona na audiência. A juíza perguntou a ele quanto ele ganhava. Alves respondeu que ganhava 30.000 euros por mês. Com o contrato na mão, a magistrada o corrigiu e lembrou que ele recebe 300.000 euros por mês.
Técnico do Barcelona: “Estou em choque”
O treinador do Barcelona, Xavi Hernández, admitiu estar “em estado de choque” com a prisão de Alves. “É difícil comentar uma situação assim. Como todo mundo, estou surpreso, impactado, em estado de choque. Conhecendo como é Dani, é um assunto que me surpreendeu. Me sinto muito mal por ele. É um assunto jurídico e devemos deixar que a justiça dê a palavra final”, acrescentou o treinador em coletiva de imprensa antes do jogo contra o Getafe.
Xavi e Alves se conheceram quando o brasileiro chegou ao clube catalão no verão de 2008. Ambos se conheceram no vestiário do time como jogadores e foram colegas até 2015, quando Xavi saiu. Em 2022, eles se encontraram novamente no Barcelona. Desta vez, Xavi como treinador e Alves como jogador. Após a decisão da juíza de impor a prisão provisória a Alves, seu atual clube, o Pumas mexicano, decidiu rescindir seu contrato. O presidente da entidade explicou em uma coletiva de imprensa que a rescisão foi “por uma causa justificada”. Daniel Alves havia renovado seu contrato com Pumas em 1º de janeiro, com validade até 30 de junho deste ano.
Sobre: El País é um jornal espanhol fundado em 1976, no período de transição para a democracia, após o fim da ditadura franquista. É de propriedade do Grupo PRISA e conta com uma média de 457.000 exemplares diários, sendo um diário de grande circulação, com a maior tiragem da Espanha. (WIKIPEDIA, adaptado).
Sobre o tradutor: Pedro Galhardo é Bacharel em Direito, jornalista e tecnólogo em Comércio Exterior; pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais, é professor de inglês e estuda tanto o francês como o espanhol. Traduz textos jornalísticos de relevância desde, pelo menos, 2017. Seus hobbies incluem, mas não se limitam, ao estudo de história, geografia, economia, música, iatismo e aviação.