Entenda o que pode dar errado com o novo compartilhamento de senhas da Netflix

Ao final desta reportagem, confira 5 principais perguntas e respostas sobre a implementação da mudança no compartilhamento de senhas da Netflix

Em uma manobra surpreendente, a Netflix decidiu reprimir o compartilhamento de senhas, uma prática que tolerava há anos. A gigante do streaming enfrenta queda na receita e números oscilantes de assinantes e espera que essa nova estratégia ajude a reverter a situação a seu favor.

Diferentemente de sua postura anterior, a Netflix planeja agora fazer cumprir sua política de uma conta por residência, o que implica que os membros deverão pagar a mais por compartilhar suas assinaturas com pessoas que vivem em residências diferentes.

A empresa acredita que ao monetizar esses usuários anteriormente não explorados, poderá recuperar parte da receita perdida nos anos anteriores. No entanto, o sucesso desse empreendimento pode não ser tão simples como se espera.

A Netflix atribuiu sua primeira perda de assinantes em mais de uma década ao compartilhamento de senhas. Para combater essa prática, a empresa introduziu o compartilhamento pago em vários países, incluindo o Brasil. Sob as novas regras, os usuários devem pagar R$ 12,90 adicionais por mês para conceder acesso a apenas uma pessoa fora de sua residência.

A reação de cancelamento já foi observada na Espanha, onde o recurso foi testado anteriormente, resultando em uma perda de 1 milhão de usuários. Apesar disso, os executivos da Netflix acreditam que a melhoria da receita compensará as assinaturas canceladas.

No entanto, existem diferenças significativas entre países como Canadá e Estados Unidos. A possibilidade de os assinantes rebaixarem seus planos deve ser uma preocupação para a empresa, pois os planos mais caros da Netflix perdem parte de sua atratividade sem o compartilhamento de senhas.

Por exemplo, o plano Padrão da Netflix, com preço de R$ 39,90 por mês, permite a transmissão em dois dispositivos simultaneamente, enquanto o plano Premium, por R$ 55,90 por mês, permite até quatro visualizações simultâneas. A mudança para o compartilhamento pago pode levar alguns usuários a optar pelo plano Básico mais acessível, com preço de R$ 25,90 por mês, que limita a transmissão a um único dispositivo por vez.

Essa tendência potencial pode afetar negativamente a receita média por usuário da Netflix. Especialistas alertam que os cancelamentos e rebaixamentos de planos podem prejudicar as finanças da empresa, já que a Netflix não pode compensar essas perdas com publicidade.

No Brasil, ainda há incertezas sobre como as autoridades e os órgãos de proteção ao consumidor responderão a essa nova abordagem da Netflix. A imposição de cobranças extras pelo compartilhamento de senhas pode ser interpretada como uma violação dos direitos do consumidor, especialmente se não forem fornecidos benefícios adicionais claros em troca dessas cobranças.

No meio jurídico, já se discute há algum tempo a possível aplicação, em eventual violação, das normas e princípios presentes no Código de Defesa do Consumidor a serviços de streaming (a exemplo da Netflix), cujos exemplos mais notórios são o ‘vedação da alteração unilateral dos contratos’ e da ‘excessiva onerosidade’, presentes de forma mais clara nos artigos 6º, 39º e 51º do CDC, vejamos:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

V – A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

X – Elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.  

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

 X – Permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

De qualquer modo, na última quarta-feira (24), quando a plataforma de streaming anunciou que os usuários brasileiros receberiam e-mails com alertas sobre a mudança na política de cobrança, o Procon-SP, diante do aumento exponencial do número de consultas sobre o assunto, notificou a empresa para que esclareça alguns pontos importantes:

  • O que exatamente está sendo anunciado aos assinantes;
  • Se a empresa está efetivamente adotando um novo critério de cobrança;
  • Como funcionará esse eventual novo sistema de acesso;

Além disso, foram requisitadas outras informações relacionadas para que seja possível analisar, com base em dados concretos, possíveis infrações ao Código de Defesa do Consumidor. O Procon-SP ainda não confirmou o prazo dado à Netflix para responder à notificação.

Independentemente dos impactos financeiros para a Netflix (pois os impactos ao consumidor parecem estar bem claros – entenda ao final) as consequências do fim do compartilhamento de senhas podem repercutir em toda a indústria de streaming. Concorrentes como Disney, Warner Bros. Discovery e Paramount estão atentos para observar como os consumidores respondem à repressão da Netflix a essa prática. Caso seja bem-sucedida, é possível que outros serviços sigam o exemplo, assim como ocorreu com o aumento de preços no ano passado.

Paul Erickson, diretor da Erickson Strategy and Insights, destaca o desafio comum enfrentado por todas as plataformas de streaming: como lidar com o compartilhamento de senhas. Dada a enorme presença da Netflix no mercado de streaming, não se pode descartar a possibilidade de o compartilhamento pago se tornar uma norma do setor.

Erickson acredita que o compartilhamento pago é uma progressão natural na maturação da indústria de streaming, afirmando: “Isso precisava ser resolvido em algum momento, e está acontecendo agora”.

No entanto, além dos investidores da Netflix, poucos parecem satisfeitos com essa mudança, especialmente considerando que a Netflix é o único serviço que exige pagamento adicional pelo compartilhamento de senhas. Ainda é cedo demais para avaliar quantos assinantes a plataforma de streaming pode perder, quantos optarão por planos mais baratos ou quantos realmente comprarão contas adicionais.

O futuro do compartilhamento de senhas na indústria de streaming está sendo moldado neste momento, e tanto os consumidores quanto órgãos de proteção do consumidor devem ficar atentos a essas mudanças e eventuais violações aos direitos do consumidor brasileiro. Tanto a Netflix quantos outras empresas de streaming, buscando maximizar seus lucros, ainda precisam, sem sombra de dúvida, se submeterem à legislação pátria.

1 – Com quem posso compartilhar a senha da Netflix?

Até o momento, era possível compartilhar senhas da Netflix com qualquer pessoa, com a única restrição sendo o número máximo de telas conectadas simultaneamente. Por exemplo, no plano Premium, que tem o valor de R$ 55,90, até quatro dispositivos podiam utilizar o serviço ao mesmo tempo. Nas opções mais econômicas, havia uma restrição ainda maior.

Essas regras serão mantidas, porém, a Netflix passará a controlar a localização dos dispositivos que acessam a conta, exigindo que todos eles estejam na mesma residência. Será necessário definir a “localização principal” do perfil, ou seja, a residência associada à conta. Dessa forma, uma conta Premium ainda poderá ser usada por membros de uma família que vivem juntos.

No entanto, para utilizar a assinatura regularmente em outros locais, será necessário adquirir pontos extras. O plano Padrão terá limite de um assinante extra, enquanto o plano Premium poderá ter até dois assinantes extras. Já as opções Padrão com anúncios e Básico não terão a possibilidade de incluir assinantes extras.

2 – Quanto vai custar o novo compartilhamento de senha da Netflix?

O acesso para assinante extra vai custar R$ 12,90 mensais (cada um). Apenas os planos Padrão e Premium podem incluir esses convidados: com um e dois adicionais, respectivamente.

3 – Como as novas regras vão ser implementadas?

Para implementar as novas mudanças, a empresa poderá rastrear endereços IP, IDs de aparelhos e atividade da conta (o que, convenhamos, tende a ser extremamente problemático).

Caso seja necessário confirmar a localização de um dispositivo, o titular da conta receberá um código de verificação por e-mail ou mensagem de texto para ser inserido no aparelho em questão, dentro de um período de 15 minutos. Esse processo é semelhante à autenticação de dois fatores utilizada por diversos serviços online.

Uma vez que o dispositivo receba a informação e o código seja inserido com sucesso, ele poderá ser utilizado para acessar o conteúdo da Netflix. No entanto, é importante ressaltar que, caso o código expire, será possível solicitar um novo. Além disso, a Netflix poderá realizar periodicamente o processo de “verificação de dispositivo” para assegurar o cumprimento das regras.

4 – O que os usuários extras podem ou não fazer?

Assinantes extras podem:

  • assistir à Netflix em qualquer dispositivo, mas só em um dispositivo por vez;
  • fazer download de conteúdo, mas apenas em um telefone ou tablet por vez;
  • ter apenas um perfil;
  • ativar a conta no mesmo país do proprietário da conta.

Por outro lado, os assinantes extras não poderão:

  • criar perfis adicionais;
  • ativar a conta em país diferente da localização principal.

5 – Poderei assistir à Netflix quando estiver viajando?

A plataforma permite que o assinante use a assinatura onde quiser, mas, para isso, vai precisar verificar o dispositivo. Se isso ocorrer todos os meses, entretanto, é possível que o serviço identifique que não se trata de uma exceção e impeça o uso nessa localização.

Edição e texto: Pedro Galhardo