Reforma Tributária: a luta do Nordeste pela equidade regional no Brasil

JOÃO PESSOA, 4 DE JULHO – Os debates em torno do novo modelo tributário brasileiro seguem acalorados em Brasília e o projeto está na iminência de ser apresentado em Plenário pelo relator, o deputado paraibano Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Se é necessário que se haja uma reforma tributária, necessário também o é que esta reforma possa corrigir distorções históricas, principalmente, no que se refere a arrecadação dos Estados.

As regiões Sul e Sudeste, principalmente, surfaram no boom dos preços internacionais do café durante o século XX e se capitalizaram para um rápido processo de industrialização e mais tarde essas regiões ainda seriam beneficiadas por obras faraônicas (Ponte Rio-Niterói/Itaipu Binacional, etc) e grandes aportes de capital ao custo do aumento exponencial da dívida pública durante o período ditatorial (1964 – 1985). O Nordeste foi preterido pelo Regime Militar. A Transamazônica nunca foi concluída e a promessa da Transposição do Rio São Francisco só saiu do papel durante o primeiro mandato do presidente Lula, nos idos de 2007.

A Carta Magna de 1988, no entanto, estabelece em seu Art. 3º como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Portanto, uma reforma tributária que será inaugurada na vigência da Constituição de 1988, deve, necessariamente materializar aquilo que preconiza nossa Lei Maior, em busca de um país com maior equidade e menos desigualdades regionais. Isso passa, inevitavelmente, por uma melhor distribuição dos recursos arrecados através dos tributos. Segundo o Impostômetro, criado pela ONG Instituto de Planejamento Tributário, só o Estado de São Paulo foi responsável pela arrecadação de quase 38% de todos os impostos do país.

A medida eleitoreira e, porque não dizer, irresponsável, de redução do ICMS imposta aos Estados pelo governo Jair Bolsonaro no ano passado, além de não conter a alta dos preços dos combustíveis a que se propunha (o problema era outro, com se viu), gerou um rombo de R$ 44,2 bilhões na arrecadação dos Estados segundo O Globo. Foi um golpe duro para todos os Estados membros e o objetivo parecia ser justamente enfraquecer os enfraquecidos, desigualar os desiguais na linha diametralmente oposta ao conceito aristotélico de justiça, de isonomia, irradiado por todo nosso ordenamento jurídico. Parecia uma tentativa (felizmente vã) de desarticular politicamente o Nordeste que se insurgia contra o governo federal através do Consórcio e outras iniciativas.

No caso da Paraíba, um dos Estados mais pobres do país, a perda com a redução do ICMS foi na ordem de R$ 706 milhões, segundo reportagem citada acima. Por sorte, o Estado vinha e vem sendo administrado de forma responsável e sóbria pelo atual governador João Azevêdo, atraindo grandes investimentos nacionais e internacionais.

Somente o Complexo Eólico Chafariz, um dos maiores da América Latina, representou um investimento R$ 3 bilhões. Administrado pela Neonergia, foi inaugurado esse ano com a presença do presidente Lula. Instalado na Serra de Santa Luzia, interior do Estado, é composto por 15 parques com 136 aerogeradores com capacidade instalada de 471 megawatts (MW). Não há dúvida que o impacto na arrecadação do estado é enorme. Ainda podemos citar programas sociais como o ‘Tá na mesa’, que compra alimentos diretamente da agricultura familiar e oferece refeições de qualidade para a populução por um valor simbólico e em breve será implementado também pelo governo federal. Tais medidas e investimentos ajudaram a mitigar os efeitos do redução brutal na arrecação do Estado.

Uma das propostas atualmente em discussão na Reforma Tributária é a criação do um Fundo de Desenvolvimento Regional com repasse ampliado para os estados mais desfavorecidos, em particular o Nordeste, região que abriga oito dos dez estados mais pobres do Brasil. Esse Fundo terá início em 2029, não havendo um prazo determinado para o seu encerramento. O valor total inicial será de R$ 8 bilhões no primeiro ano, aumentando de forma gradual até o ano de 2032. A partir de 2033, o governo federal alocará anualmente R$ 40 bilhões para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR).

O montante do Fundo de Desenvolvimento Regional é um dos pontos polêmicos e ainda em discussão da Reforma. Os governadores solicitaram um valor de R$ 75 bilhões anuais para esse fundo, superior à proposta de R$ 40 bilhões. Outra questão em aberto é justamente a forma como os recursos do FDR serão distribuídos entre os estados, essa divisão precisa refletir as desigualdades regionais do país ou, caso contrário, estaremos diante de um cenário de amplicação dessas mesmas desigualdades.

Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), espera realizar a primeira votação da Reforma em plenário ainda nesta semana, governadores dos sete estados do Sul e Sudeste, além do Mato Grosso do Sul – cujas bancadas na Câmara somam 264 deputados – desejam um ritmo de votação mais lento do que o proposto por Lira. O impasse gira justamente em torno da divisão do Fundo de Desenvolvimento Regional, criado para compensar eventuais perdas de arrecadação dos estados com o novo regime tributário sobre o pagamento do ICMS, que é de gestão estadual e uma de suas maiores fontes de receita.

A principal fonte de desconforto para os governadores dos estados do bloco Sul-Sudeste, além do Mato Grosso do Sul, é o critério estabelecido na proposta, que prevê uma distribuição baseada em desigualdades regionais, ou seja, ponderada, beneficiando principalmente os estados do Nordeste. Essa proposta também conta com o apoio de Lula. “A reforma está criando o fundo de desenvolvimento regional que vai beneficiar sobretudo os estados menos favorecidos do país”, explicou Bernard Appy, secretário extraordinário para a Reforma Tributária, ao apresentar o texto aos parlamentares há algumas semanas. Não há dúvidas de que, se outro fosse o governo, tal proposta nem estaria na mesa.

Em uma reunião com deputados federais, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, detalhou como seria feita a distribuição anual do fundo, que começaria com R$ 8 bilhões em 2025 e poderia chegar a cerca de R$ 40 bilhões em 2029. “Dos dez estados com menor renda per capita, ou seja, onde a população é mais pobre, oito estão no Nordeste e dois no Norte. Essa é uma realidade que não podemos aceitar. A Constituição prevê a erradicação da desigualdade regional”, afirmou.

Nesta terça-feira, 4, os governadores dos oito estados do Nordeste estarão em Brasília para defender suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Na semana passada, os governadores nordestinos se reuniram para alinhar a proposta, que será apresentada aos parlamentares.

Um dos consensos entre os chefes dos Executivos estaduais é que a distribuição dos recursos deveria levar em consideração não apenas a proporcionalidade das populações, mas também a desigualdade regional. De acordo com os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os estados das regiões Nordeste e Norte, juntos, representam cerca de 43% da população brasileira e, mesmo assim, possuem o maior índice de desigualdade do país. Essa é uma realidade que foi construída ao longo do processo econômico-histórico brasileiro e a reforma tributária é uma oportunidade sui generis para mudá-la, por força do mandamento constitucional.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal NEGOPB


Sobre: Pedro Galhardo é Bacharel em Direito aprovado no 37º Exame de Ordem, jornalista e tecnólogo em Comércio Exterior; pós-graduado em Diplomacia e Relações Internacionais e pós-graduando em Planejamento Tributário. É fluente em inglês e também dedicado ao estudo do francês e do espanhol.